Radiola #25 - O Paul tá on e cantando para os parças
Marcando "ver um ex-beatle ao vivo" no bingo da vida feliz
Consegui realizar o sonho de ver ao vivo o show de um senhorzinho de 82 anos que embalou muitos momentos da minha vida e foi minha obsessão por alguns anos. Se voltassem no tempo e dissessem para a eu-adolescente que ela o veria alguns muitos anos depois, a mini-eu soltaria apenas um “oxe, endoidou”. Mas, de fato, aconteceu. E foi lindo. Falo com tranquilidade que Paul McCartney fez a melhor apresentação que já vi na vida. Aquele dia 16 de outubro de 2024, vai ser lembrado por muitos outros tantos pela frente. Então senta, que lá vem história.
Para um show gigante como aquele, a regra é clara: tem que chegar cedo. Consegui entrar na fila quase que pontualmente às 16h, quatro horas antes do início previsto daquele que seria um espetáculo. Portões abertos, beatlemaníacos para dentro com seus copinhos de água em mãos. Aqui confesso que me passei um pouco com o merchandising da turnê e talvez tenha extrapolado o orçamento em uma camisetinha. Uma parada para fazer uma tatuagem temporária temática e pegar o cartaz especial de “Hey Jude” e rumo à pista, que àquele momento começava a encher.
Todos de pé para a execução dos hinos
Uns passinhos para cá, outros para lá, a grade não muito longe e as horas passando lentamente. Até que sobe ao palco um senhor de cabelo grisalho, óculos e um moletom verde. Era Chris Holmes, DJ que acompanha a turnê com remixes de sucessos e lados B dos Beatles, Wings e do próprio Paul McCartney, como é o exemplo de “Temporary Secretary”, que estava até sendo pedida em plaquinha na plateia. “Day Tripper” se repetiu no setlist no DJ e do show principal. Admito que esperei alguma referência ao funk “Dentro do Carro”, de Kevin O Chris, mas ela não veio.
Em seguida, os telões mostraram um vídeo resumindo a carreira de Paul, como se fosse necessário. Era um compilado de fotos que iam desde a infância dele até a icônica imagem que estampa o material publicitário da turnê atual, a “Got Back”, passando pelas fases das bandas com quem ele tocou e outros artistas. Todas as imagens espalhadas em um prédio gigantesco onde a câmera ia subindo e acompanhando o desenvolvimento na vida do ex-beatle ao som de músicas de diferentes épocas.
Foi aí que meu lado chato falou mais alto, porque algumas fotos eram muito mal cortadas e as animações de objetos como pássaros, helicópteros e balões a gás que passavam pareciam ter sido feitas em Flash como os sumérios faziam. E o vídeo teve uma falha quase no final, com um corte estranho no que, até então, era em uma espécie de “plano sequência”. Doeu, mas não matou.
Atenção, que vai começar o culto
Meia hora depois, pontualmente às 20h30, entra o homem com seu baixo. “Can’t Buy Me a Love” abriu a noite. Diferente do show do dia anterior, também em São Paulo, que começou com “A Hard Day's Night”. Depois, veio “Junior’s Farm” e Paul logo meteu um “e aí, São Paulo?”, em português. Em seguida, um “boa noite, Brasil”, também nesse nosso idioma belíssimo. Disse, em inglês, que tinha músicas novas, músicas antigas e músicas desse meio-tempo, e que parecia que iríamos nos divertir ali juntos. Não tinha como ele estar mais correto.
“Letting Go” foi a próxima, com destaque para o trio de músicos responsáveis pelos metais (e dancinhas). Prontamente, Paul mandou um “esta noite vou tentar falar um pouquinho de português”, para o delírio do público. Em seguida, emendou com “All My Loving”, que não tocava ao vivo desde 2019. Na noite anterior, ele tocou “Drive My Car”. “Got to Get You Into My Life” e “Come On to Me” vieram logo depois. Foi quando o calor do Brasil falou mais alto e Paul deixou de lado o blazer preto com listras brancas no forro. Para mim, que sou corinthiana, foi um alento alvinegro no chiqueiro Allianz Parque. Com todo respeito.
Depois de uma gracinha de Paul, veio “Let Me Roll It”, com direito a riff de “Foxy Lady”, de The Jimi Hendrix Experience, em tributo ao artista morto em 1970. O ex-beatle explicou que o conheceu nos anos 1960 e rasgou elogios ao ícone da guitarra. A banda logo emendou “Getting Better” e “Let 'Em In”.
“Eu escrevi esta música para minha amada esposa, Nancy. Ela está aqui hoje”, disse o apaixonado Paul em um belo português, antes de “My Valentine”, já no piano posicionado à direita do palco. Sempre que passa o vídeo de Natalie Portman e Johnny Depp interpretando a música na língua de sinais em inglês, uma talvez má vontade dele nos movimentos, em comparação aos dela, me incomoda um pouco. Esse foi o segundo e último momento que alguma coisa no telão me tirou daquele lugar especial. Acontece…
“Nineteen Hundred and Eighty-Five” levantou o clima de novo, seguida de “Maybe I'm Amazed”. Inclusive, Rusty Anderson, conte comigo para tudo. Depois de perguntar se a plateia estava bem, Paul fez a jogada clássica de grandes shows: rinha de grito da audiência. Lado direito contra esquerdo contra meio. Eu era direito, mas o meio ganhou, preciso ser sincera.
Com um fundo diferente dividindo o palco pela metade, o quarteto que acompanha Paul foi para a frente do cenário e começaram “I've Just Seen a Face”. O Sir elogiou a plateia em inglês e emendou com um “vocês são ótimos” (neste texto, as frases entre aspas são o que ele falou em portugês, tá?).
A viagem no tempo e no espaço ficou por conta de “In Spite of All the Danger”, para Liverpool da década de 1950. “A primeira canção que os Beatles gravaram”, explicou Paul, perguntando em seguida se gostamos de seu “brasileiro”. Instantaneamente, ele corrigiu o erro, com um sorriso. Meus panos já estavam a postos e eu estava pronta para só chamar o idioma assim. Lamento. O engraçado foi que no meio da música, em um solo de violão, Paul errou uma nota e teve que parar, dizendo que conseguia fazer melhor, antes de retomar, não sem dar mais um sorrisinho e nos arrancar gostosas risadas.
Paul contou que os quatro rapazes deixaram Liverpool e, em Londres, no Abbey Road Studios, gravaram outro disco com George Martin. “Love Me Do”, a primeira música gravada por lá, foi a próxima no setlist. Enquanto narrava a história do início dos Beatles, dava para perceber o peso da idade na voz desse senhorzinho que, vez ou outra, fazia uma dancinha e parecia ter fôlego para mais algumas horas de show.
Quando entra em cena o bandolim, todo fã sabe que chegou a hora de “Dance Tonight”. E de Abe Laboriel Jr. dar seu show à parte. Facilmente pagaria para ver esse querido dançando todas as músicas da noite. Outro músico da banda que acompanha Paul nas turnês que chamou a atenção foi Wix, que brilhou na sanfona da canção mais fofinha da noite.
Paul subiu na plataforma, veio aí “Blackbird”. Nas primeiras notas, os pelos de lugares que eu nem sabia que existiam se arrepiaram e lá estava eu chorando de novo feito criança — não lembro direito quando foi a primeira vez. O telão que fica na estrutura é ainda mais lindo visto de perto.
“Essa música é para meu querido mano John”, anunciou o inglês mais brasileiro que já vi, antes de “Here Today”. Em alguns momentos foi possível ver que a voz de Paul ficava embargada enquanto cantava sobre o amigo morto em 1980. Adivinha quem já estava às lágrimas de novo. Pois é… “Now and Then” tocou logo depois, com o grande amigo de Lennon o agradecendo por escrever a canção, lançada em 2023 com a ajuda de inteligência artificial.
Para levantar de novo o astral, veio “New”, “Lady Madonna” e “Jet”. Do álbum “Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band” (1967), começou “Being for the Benefit of Mr. Kite!” com seus efeitos psicodélicos de som e vídeo nos telões. Como diz o meme de Scorsese, “absolute cinema”.
Hora de outra homenagem, dessa vez a George Harrison, morto em 2001. “Essa canção es dedicada ao mano, parça, George”, disse antes de começar a tocar “Something” no ukelele, dado pelo próprio. Às vezes as vozes da plateia se sobrepuseram à voz de Paul, deixando o tributo ainda mais emocionante. Mais uma vez, ele agradeceu ao amigo pela composição.
“Ob-La-Di, Ob-La-Da” veio como mais um momento de interação, com o público repetindo o refrão conforme o showman dava a deixa. “Band on the Run” provou ser um hit atemporal, com o estádio em peso cantando junto. “Get Back” seguiu o clima de milhares vozes, mas nada que surpreendesse.
De volta ao piano, chegou a vez de “Let It Be”, com o refrão poético sendo repetido no final por Paul, quase como um conselho de quem é mais velho. Por falar em conselho, “Live and Let Die” cabe bem nessa definição. A música mais explosiva do show, com o perdão do trocadilho, é gigante do início ao fim. Como eu estava perto do palco, consegui sentir o calor das labaredas no meu rosto. Foi um misto de maravilhamento com um pouco de medo daqueles fogos darem errado. Naquele momento, minha voz já havia ido de Pete Best e, até a publicação desta crônica, não voltou competente.
O refrão de “Hey Jude” foi aquele momento de catarse coletiva, com umas 100 mil pessoas erguendo o cartaz com as inscrições “NA NA” e cantando junto. “Só os manos”, pediu o dono do show e foi prontamente atendido. “Ok, só as minas”, indicou, com as fãs respondendo à altura. “Ok, galera. Galera”, completou para que o estádio ficasse uníssono.
Chama ele, que ele volta
Faltavam pouco mais de 20 minutos para o final do show quando Paul, Rusty e Wix voltaram ao palco segurando a bandeira do Brasil, da comunidade LGBTQIAPN+ e do Reino Unido, respectivamente. Brian Ray só acenava e Abe desfilava e exibia sua tacinha do que parecia ser vinho. Um divo.
Antes de começar “I've Got a Feeling”, Paul disse que a música era muito especial para ele e que veríamos o porquê. O motivo era a interpolação do vídeo de John Lennon cantando no “Rooftop Concert” (1969), último show dos Beatles. Um dueto para lá de especial e emocionante.
O que na terça-feira (15) foi “Birthday”, na quarta (16) era “Day Tripper”, mais uma surpresa positiva para a noite. Quando Brian entoou os primeiros acordes do riff, eu era só um amontoado de carne com gritos guturais. Sem querer promover rivalidade, mas a o show da quarta-feira pisou com bondade no anterior. O próprio Paul mandou um “daora” no final da música. Quem sou eu para discordar?!
Na hora em que começou “Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (Reprise)”, a ficha de que o show estava acabando começava a cair. Na hora de “Helter Skelter” eu só conseguia pensar em como esse senhor conseguia gritar e cantar tão alto depois de quase duas horas e meia de show.
“Esta festa tá foda”, bradou Paul McCartney, que àquele momento estava em um patamar ainda maior de deidade.
“É hora de ir embora”, anunciou o Sir, para tristeza geral. “Nãããão”, gritou a plateia, “sim”, ele respondeu. A brincadeira se repetiu algumas vezes até ele dizer que realmente precisavam ir e que tínhamos sido fantásticos. Mas não sem antes agradecer e apresentar a equipe e banda. Adivinha o nome que mais foi gritado pelo público. Abe, lógico.
“Golden Slumbers” apareceu como uma uninamidade no setlist. Quem não estava cantando a plenos pulmões, estava se emocionando. Ou os dois juntos. Assim como “Carry That Weight”. Em “The End”, foi a hora da galera pirar e dar um spoiler do que seria a madrugada, enquanto cantava “are you going to be in my dreams tonight?” e “love you”.
“O pai tá on”, avisou o chavoso ex-beatle, que, se quisesse, era só passar em um Poupa Tempo e tirar o CPF. “Até a próxima”, completou antes das bombas de fumaça e papel picado espalharem pedacinhos verdes, amarelos, azuis e brancos pelo lugar, marcando o fim do maior show que eu assisti na vida.
Essa foi mais uma publicação do pega uma ficha aí. Muito obrigada a você que chegou até aqui e vocês que me ajudaram a realizar esse sonho. Vocês sabem quem são.
Até a próxima!